sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Ora pois...

Enquanto eu procurava um giz
eis que me veio uma idéia:
Colorir com a ponta do nariz
um arco imenso no ar

O movimento vinha
e não queria nunca parar
balançava, balançava
fazia som com o chacolhar

Escorregava de sopetão
e voltava a levantar
batia as asas, batia as asas
querendo sempre voar

De longe, quase ao lado
era o sapateado a pronunciar
pegadas e mais pegadas
mostravam o caminho do brincar

Memórias de uma ciranda
cantigas de ninar
qual era aquela música?
escorregaram as notas a solfejar

De menina, virou moça
um charme só de se ver
Quando a música acaba
já é tarde, é hora de crescer

Ouve-se de longe o chamado
é baixinho, é presente
Vem de fora, vem de dentro
Vem de um tempo de repente

Tempo que se inventa
tempo que se recorda
tempo que representa
tempo que faz agora

Sempre aos pequenos passos

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

por caminho familiar

Estou voando.
Vejo a cidade pequenina,
linhas tortas, pequenas formigas
a se moverem nervosamente

Ouço o som do silêncio
cortante e macio do vento,
que passa por meus ouvidos
e balança os cabeços atrás

A mão sem forma específica
deixa-se levar,
assim como os pés,
que balançam em movimentos esparçados

Fecho os olhos,
mas posso ver tudo.
As imagens preenchem
o campo visual das pálpebras pesadas

Sinto-me repleta de ar,
de histórias da vida
que foram contadas
e largadas ao vento

Ouço o som do silêncio,
dos cânticos elevados ao céu,
das notas suspensas de um acorde
não interrompido de um piano

Ouço o som do silêncio
ecoado no espaço
das palavras não ditas,
das memórias não ocorridas

São fantasias, invenções.
São gotas de chuva,
que secam a imaginação,
que me fazem plainar mais baixo

Pousando em campos verdes,
colhendo flores brancas,
jogando sementes frágeis,
fechando o velho portão de madeira.

O caminho de volta é longo,
mas num piscar de olhos
e num suspiro de espanto
cá estou de volta

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

cura

Alguém bateu na porta, mas não esperou resposta.

Nas horas quietas e vazias, cresce, preenche todo o espaço.

São sussuros insconscientes, um grito seco no silêncio.

É tristeza repentina, é frieza matutina.

Diferença, inquietude, dedos tortos, boca fina.

Olhos perdidos, procuram superfície.

Onde a saída, onde a vontade transbordante?

Fechando-se a mente, puxando uma corda.

Lembrando-se da guarda, que nunca abandona sua cria.

São lanternas à meia-noite, que iluminam o quarto.

Os olhos acendem-se ao fecharem-se em prece.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Ausente

Viver o agora
Sem ansiar o amanhã
Não é não sonhar
É ser sereno

Fazer planos para hoje
E acalmar a semana que vem
Não é ser preguiçoso
É não ser ansioso

Saborear cada momento
Usar lente de aumento
Não é ignorar o redor
É focar-se em precisão

O amanhã parece tentador
Mas só vem depois de hoje
Não tem como pular
São lacunas a serem preenchidas

Foi-se o tempo das cartas
O agora já vira segundos atrás
E um bilhete pode não ser lido
Devorado pela fome do mais

Esperamos sempre por respostas
Acostumamo-nos com o instantâneo
Mas não observamos a corrida do tempo
Não vivemos presente

Ausência de presença
Ausência de paciência
Ausência de intensidade
Ausência do viver.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Espiral

quando tudo estava inerte
quando tudo parecia fundir
era tempo de mudança
de um momento pra refletir

pensar nas coisas fixas
pensar em tudo estático
são acomodações vazias
são equilíbrios plásticos

acostuma-se a idéia
em permanecer-se em si mesma
em não ser reinventada
em seguir-se de um ponto

que ponto será esse?
será que é varrido com as enchentes?
será que se recria reticente?
ou dorme de repente?

se esquece do vazio
que ansia por encher-se
procura cômodos quentes
procura um nome a pertencer

são anônimas as contagens
regressivas para o instante
que será que vem vindo?
será grande ou pequeno?

será agora o ocorrido?
será preparo da mudança?
será um risco no vazio?
será pintura em tela fina?

aquarela ou tinta guache
cera ou pastel
numa cortina de seda
ou no estofado cor de mel

entranhadas nas costuras
são lembranças misturadas
repartidas nas almofadas
afundadas no colchão

encarar diferentes épocas
preparar-se para o porvir
ter certeza e segurança
de que o que virá: será

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

buraco vazio

Semente que germina
e dali a pouco despenca, imatura
morre na praia
e deixa a terra toda dolorida
e as águas esbravejadas.
Vira pó, vira pedra,
vira gota, vira cinza.
Revira-se e revolta-se
Reinicia-se um ciclo
que no mais tardar
frutificará

domingo, 5 de setembro de 2010

Cantos

O quando, que não onde,
chegou para ficar.
Entregou suas chaves,
procurou um canto para sentar.
Olhou por volta,
desconfiado, incomodado.
Os dias que passaram
viraram rotina,
distantes, embrulhados em pó.


Na quietude da noite,
na goteira pingando,
cada canto preenche-se de profundo suspiro.
Elevam-se para o espaço,
desencontram-se no ensejo de esbarrarem-se.
As notas suspensas no ar
de um dia que nunca foi
E quando será?
Onde foi que esqueci de estar?


Dentro de cada canto
há um choro, um pranto
que almeja, em coro, um canto
que reuna de tanto em tanto
aquele perdido acalanto.
As estrelas do teto
querem tanto brilhar
iluminar os sorrisos de outrora
Reinventar histórias do nunca
Lembrar de um tempo de criança
do açúcar no suco da mesa
do prato espatifado no chão.

Eram, e será que sim?
Será memória inventada,
será desejo partido?
Será tamanho egoísmo?
Será o umbigo maior?
ou são cantos e quandos
que esperam se unir,
formar uma sala,
um espaço comum?
Não olvide do quando agora,
o quando que será amanhã.
O quando de ontem ficou,
permaneceu,
já passou.

Senhores de cada um,
compartilhando um mesmo quando,
um mesmo onde.
É hora de compartilhar,
de estar,
de sonhar junto.
Cada qual no seu canto,
cada canto em seu lugar,
mas em torno de um mesmo objetivo:
unir vontades,
desejos,
construindo o conviver.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

barbante

Pertencer a algum lugar
despencar de outro
aterrisar sentado
deitar e ninar
sonhar
sorrir
será?

Abrir as asas e partir
será o mesmo que sair
e dizer que não voltarei
arrumar as malas
viajarei

Ficar e permanecer
não mudar
não ousar
mas querer
tropeçar
no trilho que leva
a algum lugar

Lá e cá
mais lá
do que cá
Mais cá
querendo lá
sabendo do cá
com medo do lá

Este amanhã
que não tarda a chegar
é um dia plantado
ainda não colhido
O que será de seu fim?
será que amanhece enfim?
Fim que não é fim

é um ponto sobre ponto
um travessão do diálogo
uma continuação
uma construção

Cada um imagina a seu bom grado
e assim,
trocado por trocado,
acumulam-se os contos:
A cada conto
aumenta-se um ponto
Telefone sem fio
que nos liga
ao caminho

domingo, 11 de julho de 2010

Quando ninguém vê

De repente virei e não mais vi
era tudo branco na escuridão
era tudo som naquele infinito silêncio
era tudo chão por onde voava
era tudo e era nada
Era um sonho?

terça-feira, 29 de junho de 2010

Édificil

A moça torta na janela esguia-se por espiar
Era tonta, era feia
era um bife de panela
refrito na manhã de segunda-feira

O rapaz do andar de cima ria-se por só rir
Era jovem, era alto
era um poeta do acaso
escrevia seus poemas sentado em seu vaso

O porteiro que varria o prédio esqueceu-se do remédio
Era velho, era cansado
era antigo no pedaço
fazia bodas no trabalho

A menininha chupava bala esperando o elevador
Era baixa, era irritante
era meio metro de gente
estalava a língua e cantava desafinado

Nas escadas, o encontro
Nariz torto, olhar pra baixo
contas vencidas, pingos de roupa lavada
cinzas de cigarro, livro de reclamações

Onde o síndico não tem voz
mas é chamado a todo instante
Onde as paredes escutam tudo
um trabalho desgastante

Vende-se, aluga-se,
um prato cheio de histórias,
que escorrem pelos antigos encanamentos
desembocam onde tudo sempre acaba

segunda-feira, 14 de junho de 2010

eu estou voando Jack

Tudo começou quando eu estava na escola de fadas até eu crescer e ser uma fada de grande grandeza e tive uma filha através de magia branca e hoje eu estava viajando num navio o tal Titanic e tem um rapaz muito conhecdio como "Leonardo de Kaprio" sei lá mas acho que vai dá alguma coisa Mas, não vai dá não porque ele tem uma namorada que é a tal Kate Wichen.
Bom eu não sei o que ela é mais me faz sentir alguma coisa dentro de mim.





Escritos de infância há não sei quantos anos atrás

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Mariamaria

Olhou para baixo e, tão logo, percebeu um botão desabotoado. Imediatamente fez-se corar. Paralisada por alguns um segundo, pareceu uma eternidade, até que rapidamente abotoasse o atrevido botão que resolvera escapar de seu devido lugar.
Olhou para os lados, certificando-se que ninguém percebera o tão embarassante momento que se passara.
São coisas da vida, que acontecem sem explicação.
Riu-se do desespero vivido. Esboçou um singelo sorriso nervoso. Rindo de si mesma.

Anos mais tarde desabotoaria propositalmente, esperando alguém timidamente alertá-la do ocorrido. E então, calmamente olharia para baixo, retornaria o olhar agradecido e, só em seguida, abotoaria o ingênuo botão.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

que venha um plano a se realizar



Eu quero passear por esse jardim
quero sentar-me num gramado 
e desfrutar dos mais belos sorrisos
dos cheiros de fruta doce
do perfume das ninféias
do colorido de uma pintura

Monet monet
que um dia coloriu o mundo
formou seu recanto
deu vida a singela arquitetura
recobriu de detalhes a folhagem
ao borrar uma tela em branco

Dia claro
brisa madura
frescor de tarde infinita
ricos segundos
inesquecíveis flashes
representando um ciclo
um cinco

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Uma volta em 30 segundos

Cabeça de alho
desfacelado em mil facetas
de uma história mal contada

Hambúrgueres que entopem
a boca de uma criança obesa
Sobras e restos de comida no ralo da pia


Quedas repentinas de um bebê
que aprende a andar,
amortecida pela fralda suja e pesada

Abelhas na areia,
ferroadas no pé
de quem acaba de chegar

Inhaca é uma ilha no sul do Moçambique
Inhaca é o sujo no pescoço suado
na dobra do cotovelo cansado
no calcanhar de quem nunca se vê

quarta-feira, 31 de março de 2010

Círculo ambulante

Giros pelo mundo
cabeça fora do lugar
giro, giro, giro
até cair de joelhos e vomitar

O mundo é ideal
enquanto giro,
tudo faz sentido
até parar de girar

Chão vira céu
Céu vira outro lugar
Inalcançável,
Embora nos pés

Gravitam o vestido,
os cabelos
Orbitam os olhos,
as mãos

Sangue na ponta dos dedos
Gigantes
Tornozelo em êxtase
Alavanca da maquinaria

Por que gritar?
Som da voz no giro
Por que calar?
Silêncio de tudo no movimento

Por que postar essa "poesia" (e é?)?
Por compartilhar sensações de infância que perpetuam no tempo.

quinta-feira, 18 de março de 2010

seca temporária


folhas jazem mortas no chão
decompõem-se
retornam à natureza

as raízes estão fincadas no solo
seguras, precisas,
a árvore não teme o arrancar

o vento não a ameaça
o tempo amadurece
estações a enriquecem


as mudanças são bem-vindas
os planos para o futuro
os frutos do amanhã

foto: Rosana Seager

domingo, 7 de março de 2010

esboço de um vermelho

é vermelho
o pisar na terra descalço de intenção
é vermelho
o gole do café quente atrás da cortina
é vermelho
o deitar do corpo na grama úmida
é vermelho
o aguardar do amanhecer no horizonte
é vermelho
o toque do tecido velho, puído de lembrança
é vermelho
o tato gélido da pedra no peito nu
é vermelho
o poder ver e em instantes perder
é vermelho
o espraiar-se no jardim em solidão
é vermelho
tudo que passou, tudo que passa
é vermelho
o saber das coisas e o medo do esquecimento
é vermelha
a estagnação do tempo preso no corpo mutável

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Água com açúcar

Uma cadeira de balanço movimenta-se gentilmente ao sabor da brisa que corta a varanda.
O jornal aguarda ser recolhido no batente da porta, deixando algumas folhas remexerem-se.
As cartas acumulam-se debaixo do tapete. As notícias estão ali, frescas, mas não serão lidas.
A madeira do chão está corroída, com frestas, afastadas umas das outras.
Uma abelha suga a mesa açucarada pelo suco derramado.
A poeira acumula-se no canto, formando um pequeno redemoinho de cabelos e sujeira.
O capim irregular acaricia a mureta em movimentos esparçados.
A porta entreaberta manifesta-se, batendo hora ou outra impulsionada pelo vento.
As cores perdem saturação e aproximam-se de um preto e branco acizentado.
Uma goteira na ponta do telhado, poça de água.
Um miado de dentro.
Um pio de fora.
Um ranger de baixo.
Um estrondo de cima.
Onde vivem?

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Peculiaridades

A vida pode ser tão divertida.

fazer bonequinho com a mão e o ponto escuro do teto
ver rostos nas manchas da madeira do armário
imaginar formas para as dobras do lençol
conversar consigo mesma em diferentes línguas
pegar as coisas com o dedo do pé
ter um cachorro imaginário
olhar o mundo de cabeça para baixo
fazer careta no espelho
ver filmes com legenda em coreano
imaginar-se num filme
conversar com as plantas
pegar chuva na praia
ter sono nos transportes públicos
olhar-se de cima